terça-feira, 28 de maio de 2013

Elena (2013)

Foram e vieram filmes nos últimos meses. Me sinto anestesiado no filme enlatado da semana.  Há um abismo entre a tela e eu.  Em tempos globalizados, o cinema que se orgulha de si refugia-se nas ruas. Enquanto isso, brilha o cartaz da última estreia no grande shopping da cidade.

Começo está crítica com confissões: havia muito tempo que não vertia lágrimas no cinema.  Minha história com o filme Elena, confesso também, começou um pouco antes do que para a maioria dos outros companheiros de sala. Pequenos trechos de filmagem, notícias e a expectativa que foi criada aos poucos.  Tive o prazer de conhecer e conviver durante muito tempo com uma das irmãs de Petra e Elena.  Não se trata de um argumento de autoridade, apenas mais uma confissão. Seria ingênuo, tendo dito isso, eliminar a dimensão (parcial) do afeto ao falar do filme. O leitor fica então avisado.

A verdadeira arte purga. O acesso à interioridade do autor machuca, abrem-se feridas.  Para o espectador, tem-se um primeiro momento de choque que se transforma liquidamente em identificação.  Para a cineasta Petra Costa, a libertação de um amor ferido vinte anos atrás. A tela de cinema carrega o misterioso poder de dar vida ao que já foi. E de repente, todo o universo íntimo familiar vai se tornando caro a nós que assistimos passíveis.

A identificação em Elena ultrapassa meros critérios materiais e objetivos. Identifica-se com a dor do destino trágico, se é levado pelo turbilhão emotivo de quem ficou. Me peguei em diversos momentos pensando em minha própria família. Não me senti, no entanto, egoísta mas sim em comunhão.

Não é a dor ou a morte que torna digno o que é mostrado. A consciência da morte apenas ressignifica a experiência da irmã e da mãe (e posteriormente, do público) com Elena. Nossa subjetividade nos dá valor e imbui significado em nossa existência.  E é justamente essa dimensão afetiva subjetiva que Petra transporta pra tela ao mostrar a irmã.  Oscila-se sem perceber entre o particular e o universal. Quem é Elena, senão ela, a mãe e por fim a irmã? Me senti quase covarde em me inserir nesta dinâmica. A diretora faz, porém, o convite.

Os dados frios e assépticos da necropsia aparecem na tela. Fica claro como números e nomes técnicos representam o grande vazio existencial de nosso tempo. O coração não pesa 300 libras, substâncias químicas não matam ninguém.  Já ensinaram os gregos, vive-se no pathos.  E na paixão que move, define-se o próprio ser em pequenos momentos de tempo, em uma frase, um gesto, um carinho, um beijo.  Basta isso.

A irmã mais velha indica então o caminho à mais nova: só a expressão artística cura. Elena diz em determinado momento que vive pela arte, Petra  parecer viver por causa desta mesma arte. Sem a possibilidade liberadora de se expressar, fecha-se em si, o passado é esquecido, reprimido,  supostamente renunciado.  A película do filme torna, ao contrário, o instante eterno, converte a dor em amor. Só a criação torna suportável a existência.

No final, sofremos, amamos e erramos sob o encanto de Elena. Nos fundimos todos nas águas do pequeno lago. Chora então o um  e o todo.  

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